Projetos pessoais e o dilema dos applicativos home-cooked x SAAS prematuros
Publicado em 8/8/2025Bem, eu gosto de criar produtos.
Pensar em novas ideias, como esse sistema pode ser construído e como criar a melhor experiência para o usuário é o que mais me brilha os olhos trabalhando com tecnologia. Levei algum tempo para entender isso. Mais do que entender as entranhas dos sistemas, as otimizações possíveis e os gotchas de uma linguagem, eu quero é criar boas soluções que ajudem as pessoas.
E é por isso que eu gosto do desprendimento dos aplicativos “feitos em casa”.
Aplicativos home-cooked
Os apps home-cooked, ou feitos em casa, é um termo criado pelo Robin Sloan para sugerir uma nova forma de criar aplicações pequenas: mais centrados em você e nas pessoas da sua comunidade, menos preocupados em lucrar e se tornar grandes produtos.
Na maior parte das vezes, na verdade, são sistemas que nem precisam ser publicados em nenhum lugar. Nada de Play Store, App Store ou uma landing page de download. Muito menos tabelas de preços e planos de assinatura. A ideia central é você criar algo que ajude sua vida e a das pessoas no seu entorno e que esse seja a proposta final do seu app.
Ele pode até funcionar, inclusive, só para você e esses poucos usuários. O exemplo que ele dá é de um aplicativo que criou e utiliza há anos com sua famĺia para trocar fotos, como um snapchat mais simplificado. Não existe nenhum apk para outras pessoas baixarem, nem página no Github para replicarmos o código. É um aplicativo feito como um bolo caseiro: para ser aproveitado por você mesmo e quem está perto.
O que me faz gostar dessa abordagem é seu convite a simplicidade. Você está criando algo para ajudar a resolver um problema claro que você tem e quer fazer isso da forma mais simples possível. É uma proposta para por a mão na massa e entregar, algo que nem sempre acontece quando criamos nossos side-projects.
Mas sendo um desenvolvedor profissional é difícil não ser mordido pelo inseto da produtização — posso chamar aqui de traSAAS ou é uma piada muito ruim?
Tudo tem que ser um SAAS (e o próximo grande produto em potencial)
Se você for em um evento de tecnologia e perguntar o maior desejo dos devs que lá estão, vai ouvir a mesma resposta de vários: ficar rico com o produto que ele mesmo criou.
É por isso que o SaaS, uma das formas de rentabilizar seus sistemas e tornar o sonho realidade, é algo tão na moda. Junto ao MicroSaaS, indie hacker e outros termos que estão no hype, a ideia é a mesma: desenvolvedores criando produtos que os dão uma renda paralela ao trabalho e que, se tudo der certo, vão eventualmente se tornar sua principal fonte de receita e dar muito dinheiro.
Para que esses sistemas possam existir e atrair consumidores, eles já nascem seguindo uma sopa de buzzwords que deixam um produteiro excitado: pensamos de antemão no product-market fit para criar nosso MVP de forma que já valide nossa ideia e traga assinantes, AAR e sucesso.
E se esse papo já soa complexo, exigindo que a gente recorra a diferentes jargões em inglês, tecnicamente o cenário não é diferente.
Antes mesmo de criar a base do seu produto, você já está pensando em como vai fazer a integração com a Stripe ou outro provider de pagamento. Já está pensando em como fazer sua tabela de preços em diferentes planos e o que vai oferecer em cada um deles. Se vai cobrar sua assinatura em meses ou créditos.
E quando vê, você já está mais perto de lançar sua própria startup. Mas, em uma contradição que muitas vezes acontecem, ainda mais longe de criar uma solução que seja boa e resolva o problema que tinha em mãos.
A energia limitada que colocamos depois das horas de trabalho ou em nosso tempo livre foi focada em tornar aquele produto vendável, não necessariamente bom. E aí terminamos, muitas vezes, com um sistema nunca terminado ou que não é tão bom quanto gostaríamos. Mas veja, pelo menos temos uma excelente landing page com uma tabela de preços que possivelmente ninguém nunca vá pagar.
O meu aplicativo de tarefas de casa
Escrevo este tanto de linhas por conta de uma experiência pessoal minha.
Há algum tempo, decidi criar um app para ajudar na gestão de tudo que precisa ser feito na minha casa.
A ideia era simples: eu e minha noiva nos dividimos em nossas tarefas domésticas, mas quase sempre essa divisão não é igual. Quando vemos, um de nós está se preparando para fazer algo que o outro já fez, como regar as plantas ou lavar a roupa de cama. Então, ter uma forma de gerirmos juntos tudo o que fazemos na casa e dividirmos as tarefas vai só ajudar nosso espaço e nosso relacionamento. E é por isso que decidi criar essa aplicação.
Mas já se passaram muitas semanas e ele ainda não está no celular da minha noiva ou no meu. Nem está perto de estar pronto.
O que eu tenho no meu celular, pelo contrário, é outra coisa: várias notas sobre como transformar esse app que não existe em um grande produto.
Ideias de features, um possível roadmap, planejamento de quando vou começar a cobrar por todo o acesso ao sistema. E junto a isso quis otimizar de largada o banco, já lançar com um sistema de cadastro e autenticação que seja simples, diminuindo ao máximo o funil entre o usuário baixar a aplicação e já convidar seus familiares.
Gastei diversas horas criando e estudando abordagens para criar um produto de sucesso. Só esqueci de qual era minha métrica principal: ter este aplicativo em mãos para usar em casa.
Nada mais do que isso. No final, pode ser que eu nem chegue a publicá-lo. Em um primeiro momento, sei que devo compartilhar só com os amigos que ficaram interessados. O importante mesmo é ter algo que seja criado para as necessidades da minha casa e que possa ajudar a organizá-la.
Por isso, depois de mais um tempo gasto tentando resolver problemas de OAuth (que você também pode chamar de skills issues), decidi mudar minha abordagem: deixei tudo que era secundário no app e foquei no essencial.
Comecei, então, pela página que vai listar as tarefas e permitir adicionar novas. Em muitos sentidos, é uma to-do. Mais focada em tarefas de casa, com alguns aspectos que ajudam nisso.
E olha, foi muito mais fácil criar dessa forma. Vendo e desenvolvendo o que vai ser o coração do aplicativo.
Codando a tela de autenticação e as tabelas para monetização o produto era abstrato, parecia longe do que eu queria criar. Eu estava aparando arestas de algo que ainda nem existia ou tinha qualquer utilidade.
Fazendo a tela que será usada sempre, eu vejo ali o porquê tive a idea. Como ela vai ajudar aqui em casa. Como vai resolver a minha dor.
Voltar a construção do app para o que é mais essencial não só trouxe ele para seu caminho inicial, de ser um home-cooked app que talvez só tenha utilidade em minha casa, como deu um norte até para se um dia eu quiser criar um produto em cima dessa solução. Porque ela já vai ser isso: uma solução; Um sistema que ajuda as pessoas e elas usam.
E aí criar planos de assinatura e features que podem ser cobradas se torna muito mais simples. O importante já está feito.
E em tempos onde abrimos qualquer grupo de desenvolvedores e somos inundados com conversas sobre como criar MicroSaaS ou side projects lucrativos, essa é para mim uma melhor alternativa: criar aplicativos que resolvam problemas essenciais para poucas pessoas e focar em realmente resolver estes problemas. Assim, passamos a criar sistemas que importam.